Lei da renda básica completa 20 anos sem previsão para ser totalmente implementada

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BRASIL – “Essa lei só vai se transformar num barco completo quando colocarmos esse barco no mar”, disse o presidente Lula (PT) em 8 de janeiro de 2004, quando sancionou a lei que instituiu a renda básica no Brasil.

Lula agora está no terceiro mandato. A lei completa 20 anos nesta segunda-feira (8) e ainda não há previsão de quando um programa de renda mínima, no modelo previsto, entrará em funcionamento.

A lei prevê que todos os brasileiros, independente da condição socioeconômica, recebam anualmente um benefício monetário. O texto diz que isso começaria em 2005, mas com implementação em etapas, priorizando a população de renda mais baixa.

Especialistas dizem que o Bolsa Família, programa social vitrine do PT, não se encaixa nas definições de um programa de renda básica por prever condições para continuar a receber a transferência de renda.

Outro fator é a abrangência do programa. O Bolsa Família inclui cerca de 20 milhões de lares, o que representa quase 50 milhões de pessoas, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.

“Mas como assim vamos pagar [a renda básica] a todos? A mim, a você e ao mais bem-sucedido empresário brasileiro? Sim. Por que não estendemos a todos, ricos e pobres, o direito de partilhar pelo menos um pouco da riqueza comum de nossa nação?”, diz o deputado estadual de São Paulo Eduardo Suplicy (PT), que foi autor da lei quando era senador.

Suplicy tem pedido que o governo Lula dê mais um passo para avançar no programa de renda básica e crie um grupo com economistas e especialistas para debater o tema. O objetivo é que as próximas etapas sejam colocadas em prática.

“Está na hora de chegar lá. Estou insistindo, com apoio de economistas. O Brasil pode ser o campeão do mundo em adotar pela primeira vez a renda básica universal”, afirmou o deputado estadual. Ele espera que, no terceiro mandato, Lula consiga criar a renda mínima para todos os brasileiros.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social disse que a implementação da lei “será feita de forma gradativa, levando em consideração as condições socioeconômicas do país e a realidade territorial diversa existentes”. Informou ainda que a criação do grupo de trabalho é uma ideia positiva e deve ser um esforço coordenado entre todas as áreas do governo e também dos demais Poderes, mas a pasta não previu um prazo para a ação.

Em abril de 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o governo federal teria que implementar a partir de 2022 um programa de renda básica nacional. O valor a ser pago mensalmente deve ser definido pela União.

Segundo o Supremo, o benefício deve abranger toda população que esteja em situação de extrema pobreza, com renda mensal pessoal inferior a R$ 178.

O ministério diz que isso foi cumprido no novo Bolsa Família, que, pela primeira vez, prevê um valor mínimo por membro da família.

Suplicy também acredita que a decisão do STF foi acatada pelo governo. Mas o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, discorda dessa avaliação.

“A lei do novo Bolsa Família estabelece que é a primeira etapa da renda mínima, pelo menos do ponto de vista legal. Isso não quer dizer que na prática essa implementação esteja ocorrendo, inclusive nós temos tratativas com o governo federal para demonstrar que mais ações precisariam ser tomadas para se considerar que de fato está se cumprindo a lei. O Bolsa Família olha para a família. A lei da renda básica olha para o indivíduo”, declarou Ferreira.

Ele cita como exemplo a necessidade de fazer o planejamento das próximas etapas e evitar o desligamento imediato de famílias que por acaso passem a descumprir regras do Bolsa Família, além da criação do grupo de trabalho, apontado por Suplicy, justamente para traçar um plano para implementar a lei.

Se não houver avanços em 2024, a Rede Brasileira de Renda Básica avalia acionar o Supremo novamente. “Estamos chegando perto de um ponto em que vai ser preciso chegar ao STF com uma reclamação de descumprimento da decisão se o governo não agir com um pouco mais de proatividade do que simplesmente colocar um artigo na lei do Bolsa Família”.

Os defensores do programa de renda mínima argumentam que a política seria mais eficiente se todos receberem o benefício –sem a necessidade de burocracia de comprovação de renda mensal (no Bolsa Família, há um teto para entrar). No caso dos mais ricos, que também receberiam o benefício, haveria uma compensação, como pagamento a mais de impostos para viabilizar financeiramente o programa.

Ferreira diz que atualmente os benefícios dados no Imposto de Renda a pessoas ricas, como deduções, são mais generosos do que os valores distribuídos à população mais vulnerável.

A decisão do STF de 2021 foi tomada em ação apresentada pela DPU (Defensoria Pública da União). Para o defensor público federal Geórgio Endrigo da Rosa, “ainda não houve o cumprimento [da decisão] porque o benefício não está sendo pago a todas as pessoas que se encontram em situação de pobreza”.

Por isso, a DPU tem pedido ao Supremo para garantir o pagamento da renda a todos desse grupo e tem atuado junto ao governo federal por meio do Comitê Temático Renda Básica Cidadã do órgão.

“O Bolsa Família é o embrião de uma renda básica. Um programa de renda básica, ao meu ver, deveria garantir o mínimo necessário para uma pessoa sobreviver, ou seja, custear a alimentação e moradia de quem não tem condições de arcar com estas necessidades básicas”, disse o defensor.

Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, avalia que as dificuldades orçamentárias da União e visões de grupos sociais do país são entraves para a criação de um programa de renda mínima universal.

“Culturalmente no Brasil é e será muito difícil implementar algum tipo de distribuição de renda sem condicionante [regra para permanecer recebendo o benefício, como manter filhos na escola]. Temos uma elite muito preconceituosa. Abrir mão de condicionantes, que é um conceito central de renda básica, é muito difícil”, disse.

Para ela, o caminho então deverá ser uma expansão do Bolsa Família com aprimoramentos, como sinergia com programas de profissionalização e ensino técnico.

“Se não tivesse nada próximo [de uma renda básica], a gente estaria com um problema no país. Mas acho que o Bolsa Família atropelou o processo, ele dá resultados, ele tem ganhos. Ficou tão caracterizado como uma política pública de sucesso que o natural seria o Brasil aperfeiçoar esse processo do Bolsa Família, em vez de acabar organizando e implementando a renda básica”, afirmou.

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